Thiago Moreira da Silva¹
Em um contexto típico de representação eleitoral, os governantes devem obter sua autoridade mediante o voto popular, conferido, periodicamente, a fim de garantir a responsividade das lideranças. Essa “cadeia de responsividade” visa transportar as demandas sociais para as instituições formais que, idealmente, traduzirão os interesses da população em políticas públicas. O encadeamento descrito, no entanto, não funciona de forma exatamente linear por conta de motivos diversos, como a mudança das predileções dos legisladores, aspectos relacionados aos bastidores da política ou fatores que distorcem esse nexo em algum sentido – casos da influência de grupos ou da tecnocracia.
Neste artigo, trato de uma das faces da sub-representação política: o desalinhamento das preferências entre representantes e representados. Para dar contornos empíricos ao assunto selecionei dois bancos de dados, um relativo às opiniões dos legisladores – o Survey Legislativo Brasileiro (BLS), da Universidade de Oxford –, e outro relativo às opiniões da população em geral – o Estudo Eleitoral Brasileiro (ESEB), da Unicamp. As perguntas selecionadas, configuradas como escalas de 10 pontos, tocam temas atinentes à economia, com formulações estritamente semelhantes. Os maiores valores indicam posicionamentos à direita do espectro político. São elas:
- Concorrência. A concorrência é uma coisa boa porque estimula as pessoas a trabalhar muito e a desenvolver novas ideias (1). A concorrência é uma coisa ruim porque desperta o que há de pior nas pessoas (10).
- Iniciativa privada. Deveria haver mais participação do governo na indústria e no comércio (1). Deveria haver mais iniciativa privada na indústria e no comércio (10).
- Riqueza. Só se pode ficar rico às custas dos outros (1). O crescimento da riqueza pode beneficiar a todos (10).
- Trabalho. Nem sempre quem trabalha muito consegue uma vida melhor (1). No longo prazo, quem trabalha muito sempre vai ter uma vida melhor (10).
- Liberalismo. Escala fatorial com agregação dos itens 1 a 4.
Em um exercício simples, ponderei a média das predileções das partes consideradas em todos os itens. Os resultados explicitam as distâncias ideológicas de governantes e governados no tocante aos aspectos mencionados, com os parlamentares tendo predileções mais liberais no que se refere a matérias econômicas do que os eleitores, mais intervencionistas.
No contexto nacional, cujo perfil dos parlamentares é constituído por homens, brancos e empresários com rendimentos muito superiores à média dos cidadãos comuns, outro exercício se faz importante: desagregar os dados da análise e verificar com quais estratos do eleitorado as predileções dos parlamentares se adequam. O gráfico 2 revela uma reta em ascensão, o que mostra uma maior congruência das preferências políticas à medida que subimos na pirâmide de renda. Ou seja, as predileções econômicas refletem os posicionamentos dos estratos mais afluentes da sociedade.
A vinculação programática com os anseios da população é importante para a performance e para a qualidade da democracia, ainda mais em contextos de consolidação do sistema democrático, dado que a representação aumenta as percepções de legitimidade do regime, contribuindo para a sua durabilidade. Embora a congruência política não seja uma garantia da homologação dos desejos dos eleitores, ela certamente contribui para a sedimentação desses laços. Ou, pelo menos, ilumina a disparidade do jogo político em cenários de desigualdade.
[1] Doutor em Ciência Política pelo Ipol-UnB e atualmente é pós-doutorando no IESP-UERJ.
O IESP nas Eleições publica às sextas-feiras análises sobre as Eleições Legislativas em uma parceria com o NEXO Jornal, tendo sido este o texto publicado no dia 17/08: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2018/A-diferen%C3%A7a-de-opini%C3%A3o-entre-governados-e-governantes